A SEMANA VERMELHA E A ESPERANÇA DE FUTURO
1. O Papa Leão XIV foi à Turquia e ao Líbano de 27/11 a 02 de Dezembro, em viagem ecuménica por ocasião do 1 700º aniversário do Concílio de Niceia. Foi um concílio verdadeiramente ecuménico, embora tenha sido convocado pelo Imperador Constantino, em 325, e cujas consequências não foram todas boas.
Isto não significa um ecumenismo de retorno ao estado anterior às divisões, nem um reconhecimento mútuo do actual status quo da diversidade das Igrejas e das Comunidades eclesiais, mas um ecumenismo voltado para o futuro, de reconciliação no caminho do diálogo, de troca dos nossos dons e patrimónios espirituais.
É este o espírito com que Leão XIV realiza esta viagem, publicando uma Carta Apostólica – In Unitate Fidei (Na Unidade da Fé) – dirigida a toda a Igreja.
Como afirma nessa Carta, «para podermos desempenhar este ministério de forma credível, devemos caminhar juntos para alcançar a unidade e a reconciliação entre todos os cristãos. O Credo de Nicéia pode ser a base e o critério de referência deste caminho. Propõe-nos efetivamente um modelo de verdadeira unidade na legítima diversidade. Unidade na Trindade, Trindade na Unidade, porque a unidade sem multiplicidade é tirania, a multiplicidade sem unidade é desintegração.
A dinâmica trinitária não é dualista, como um aut–aut excludente[1], mas sim um vínculo envolvente, um et–et: o Espírito Santo é o vínculo de unidade que adoramos juntamente com o Pai e o Filho. Devemos, portanto, deixar para trás as controvérsias teológicas, que perderam a sua razão de ser, para adquirir um pensamento comum e, mais ainda, uma oração comum ao Espírito Santo, para que nos reúna a todos numa única fé e num único amor».
2. A situação actual exige espírito e práticas ecuménicas que tendem ao respeito mútuo e à colaboração com todos. O grande trabalho das Igrejas cristãs consiste no reconhecimento da liberdade religiosa, na promoção dos Direitos Humanos.
A semana que passou, designada Semana Vermelha (16-23) foi uma iniciativa da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) para alertar sobre a perseguição aos cristãos. A iniciativa consistiu em iluminar de vermelho edifícios e monumentos em todo o mundo para combater a indiferença sobre esta situação.
De facto, a perseguição aos cristãos é um problema histórico e contemporâneo, com várias manifestações, principalmente na África e Ásia.
Relatórios recentes indicam um aumento significativo no número de cristãos perseguidos, que sofrem com assassinatos, prisões, sequestros e ataques a igrejas, embora não ignoremos o passado violento entre religiões. O desenvolvimento do espírito e da prática do movimento ecuménico tornou-se a única atitude reconhecida pela Igreja.
O Papa Leão XIV (16/11) não nos deixa esquecer a situação actual dos cristãos que sofrem discriminações e perseguições em várias partes do mundo. Penso em particular, disse ele, em Bangladesh, Nigéria, Moçambique, Sudão e outros países, dos quais chegam frequentemente notícias de ataques a comunidades e locais de culto. Isto obriga a que se faça dos Direitos Humanos e da liberdade religiosa o grande objectivo da fraternidade universalidade, Fratelli Tutti. Não bastam afirmações de circunstância, como se uns dias fossem para a fraternidade e outros para a indiferença.
Que podemos nós fazer? Desde a catequese de crianças e adultos, movimentos de jovens, associações de cristãos devem ser ajudados a pensar e a agir de forma ecuménica. A grande tentação é ignorar e desprezar a diferença. A importância da Semana Vermelha foi a de chamar a atenção para os mundos da violência, como sendo expressões longínquas que nada teriam a ver connosco e nós com elas. O grande movimento a suscitar é o de vencer a indiferença. É talvez o maior inimigo dos movimentos de PAZ.
3. O Cristianismo é, por essência, uma janela aberta para o futuro universal, de crentes e não crentes[2]. Nunca os cristãos se podem contentar com o presente. O grande presente é o futuro aberto. O advento é a forma de não deixar os cristãos esquecidos do que falta viver e fazer. É o momento da esperança. Não temos direito a pensar e dizer: não há remédio, não há nada a fazer, está tudo perdido! Cristo é quem nos precede sempre.
Pensemos e meditemos na visão de Isaías, o grande profeta do Advento, que hoje a liturgia nos propõe: «No fim dos tempos, o monte do templo do Senhor estará firme, será o mais alto de todos e dominará sobre as colinas. Acorrerão a ele todas as gentes, virão muitos povos e dirão: Vinde, subamos à montanha do Senhor, à casa do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos e nós andaremos pelas suas veredas.
Julgará as nações e dará as suas leis a muitos povos, os quais transformarão as suas espadas em relhas de arados e as suas lanças, em foices. Uma nação não levantará a espada contra outra e não se adestrarão mais para a guerra. Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à luz do Senhor[3].
Devemos fazer deste texto, não só um sonho, mas uma inquietação pelo futuro. O Advento é também o tempo da decisão radical. Os presépios são o símbolo desse cristianismo. Nunca se pode esquecer o gesto do burguês Francisco de Assis, que se despiu de todos os negócios, de toda a riqueza e se tornou o Irmão universal.
O que, nesta viagem, o Papa aponta não é apenas diálogo inter-religioso, mas a reconciliação de todos os mundos. Ele foi em nome da paz e da fraternidade.
Apesar de todas as dificuldades, não temos direito a perder a esperança. Recorremos, mais uma vez e não será a última, à inspiração do profeta Isaías: «Brotará um rebento do tronco de Jessé, e um renovo brotará das suas raízes. Sobre ele repousará o espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de temor do Senhor. Não julgará pelas aparências nem proferirá sentenças somente pelo que ouvir dizer; mas julgará os pobres com justiça e com equidade os humildes da terra. A justiça será o cinto dos seus rins e a lealdade circundará os seus flancos. Então, o lobo habitará com o cordeiro e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o novilho e o leão comerão juntos e um menino os conduzirá. A vaca pastará com o urso e as suas crias repousarão juntas; o leão comerá palha como o boi. A criancinha brincará na toca da víbora e o menino desmamado meterá a mão na toca da serpente. Não haverá dano nem destruição em todo o meu santo monte, porque a terra está cheia de conhecimento do Senhor, tal como as águas que cobrem a vastidão do mar[4].
A poesia, como transfiguração da linguagem, anuncia a mudança que nos falta fazer, o desafio ao qual não podemos fugir.
Acolher o advento de Cristo na nossa vida é o coração da fé cristã que nos oferece a esperança, nos tempos difíceis que vivemos.
Fr. Bento Domingues in Público, 30/11/2025
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[1] Aut–aut é uma expressão latina que significa "ou-ou" e é frequentemente usada para se referir a uma escolha entre duas opções exclusivas.
[2] Mt 8, 5-13
[3] Is 2, 1-5
[4] Cf. Is 11, 1-9