Família Dominicana

Comentário às Leituras Dominicais (Dez. 2025) por fr. José Nunes, op

 
21 DE DEZEMBRO - 4º DOMINGO DO ADVENTO - ANO A

 

A primeira leitura contém a famosa profecia de Isaías: «a virgem conceberá e dará à luz um filho». Certamente que ele se referia a Ezequias, filho do rei Acaz, mas os cristãos, oito séculos depois, interpretaram esta passagem aplicando-a a Maria e seu filho Jesus. A situação histórica em que o rei de Israel não queria pedir um sinal a Deus era a de uma invasão iminente. Com a sua atitude. O rei prefere recorrer a apoios humanos e não à confiança em Deus – e é isso que o profeta denuncia. Também nós haveríamos de confiar mais em Deus e não apenas nos nossos planos e capacidades.

No início da carta aos Romanos, Paulo está feliz por ser arauto do Evangelho, anunciador duma Boa Notícia: Deus veio partilhar a vida connosco e salva-nos em todos os sentidos. Por isso, trata-se de uma mensagem Boa, feliz, de alegria. Poderíamos interrogar: será que a mensagem que nós cristãos, e a Igreja em geral, é de alegria? Ou um jugo pesado…? A missão e evangelização deveria ser em primeiro lugar isto: mostrar alegremente que há motivos para a alegria… porque Deus já está presente na vida e nos acontecimentos que a percorrem.

Mateus é o único evangelista a falar-nos do sonho de José. E o Anjo diz-lhe algo que já dissera a Maria e dirá mais tardes aos pastores: «não tenhas medo»! E porquê? Porque o medo e o temor paralisam, impedem a alegria, e Deus veio ao mundo, na pessoa de Jesus, para termos a alegria completa e a vida em abundância. De facto, o apelo «não temais» aparece continuamente nos evangelhos, logo antes do nascimento de Jesus, durante toda a sua vida e, finalmente, depois da ressurreição!

 

15/12/2025

Artigo do fr. Bento Domingues, op


 A RENOVAÇÃO DA IGREJA PARA A ALEGRIA DO MUNDO

  

1. Segundo a Bíblia, tudo começou com a alegria da criação: Deus olhou para a sua obra e viu que era tudo bom. Com a criação do ser humano disse que era muito bom. A Bíblia não é ingénua, é uma biblioteca, uma construção simbólica de muitas gerações. O seu horizonte é o Apocalipse: o novo céu e a nova terra. Não é que alguém saiba, quando e como isto se realizará. No entanto, a esperança – essa pequenina virtude (Peguy) – é a alavanca da História pessoal e colectiva.

No meio de tudo, está Jesus Cristo. O grande escritor judeu, Amos Oz confessa: Li, pois, os Evangelhos e enamorei-me de Jesus, da sua visão, da sua ternura, do seu soberano sentido de humor, da sua franqueza, do facto de os seus ensinamentos se apresentarem tão cheios de surpresas e estarem tão cheios de poesia.

A Igreja absorveu o Profeta Isaías para anunciar a alegria no Advento. Situando-nos nesse horizonte, temos muito que acolher e que fazer:      «O deserto e a terra árida vão alegrar-se, a estepe exultará e dará flores belas como narcisos.      Vai cobrir-se de flores e transbordar de júbilo e de alegria. Tem a glória do Líbano, a formosura do monte Carmelo e da planície de Saron. Verão a glória do Senhor e o esplendor do nosso Deus.      Fortalecei as mãos débeis, robustecei os joelhos vacilantes.      Dizei aos que têm o coração pusilânime: Tende coragem, não temais! Eis o vosso Deus, que vem para vos libertar e vem em pessoa.      Então, se abrirão os olhos do cego, os ouvidos do surdo ficarão a ouvir,      o coxo saltará como um veado e a língua do mudo dará gritos de alegria.      Chegarão a Sião entre cânticos de júbilo com a alegria estampada nos seus rostos, transbordando de gozo e de alegria; nos seus corações, não haverá mais tristeza nem aflição»[1].

São textos do passado insinuando os desejos do futuro. Durante muito tempo, tudo convergia para tornar a religião uma tristeza. Com João XXIII e o Vaticano II (1962-1965), começa a revalorização de todas as expressões da alegria. A seguir, vem um tempo de inverno, como disse Karl Rahner.

O Papa Francisco falava, com frequência, do divórcio entre o cristianismo e a cultura, que aconteceu na Igreja Católica a partir do código tridentino. Carlo Maria Martini (1927-2012), cardeal de Milão, já dizia, no século passado, que a Igreja estava atrasada 200 anos! Yve Congar (1904-1995) disse que a uma religião sem mundo sucedia um mundo sem religião. O mesmo se pode dizer entre a Igreja e o mundo da cultura.

Francisco, que teve as suas iras, sobretudo com o mundo eclesiástico, por aquilo que estragava a vida às pessoas e à própria Igreja, promoveu um encontro com cómicos de todo mundo (14.06.2024) e disse-lhes:

«No meio de tantas notícias sombrias, imersos como estamos em tantas emergências sociais e até pessoais, tendes o poder de espalhar a serenidade e o sorriso. Estais entre os poucos que têm a capacidade de falar com pessoas muito diferentes, de gerações e origens culturais diversas.

À vossa maneira, unis as pessoas, porque o riso é contagioso. É mais fácil rir em conjunto do que sozinho: a alegria abre à partilha e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo. Rir também ajuda a abater as barreiras sociais, a criar ligações entre as pessoas. Permite-nos exprimir emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura partilhada e a criar espaços de liberdade. Lembrais-nos que o homo sapiens é também homo ludens; que o divertimento lúdico e o riso são fundamentais para a vida humana, para nos expressarmos, para aprendermos, para darmos significado às situações.

O vosso talento é um dom, um dom precioso. Juntamente com o sorriso, difunde a paz, nos corações, entre as pessoas, ajudando-nos a ultrapassar as dificuldades e a suportar o stress diário. Ajuda-nos a encontrar alívio na ironia e a levar a vida com humor».

2. Para Maria Rueff e Rodrigo Francisco, este encontro «fez História porque pela primeira vez a Igreja reconhecia a importância dos cómicos, durante séculos perseguidos, condenados à fogueira pela Inquisição e considerados seres diabólicos e inferiores. Este gesto do Papa Francisco atribuía finalmente dignidade à arte da comédia, tantas vezes menosprezada, e que é juntamente com a tragédia um dos géneros fundadores do teatro»[2].

Estes actores que, há 4 anos, partiram «à descoberta do riso» e reuniram um conjunto de textos sobre o humor, puseram em cena o Elogio do Riso, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada (Outubro/Novembro 2025).

Podia ter sido um encontro com o Papa sem especiais consequências, mas caiu em boa terra. O Elogio do Riso, além de outras referências, trata-se de um monólogo de Maria Rueff para que o riso nunca se apague. Este teatro teve o seu começo e o seu fim, mas provocou o sorriso de muita gente que pode deliciar-se com os textos sobre o humor reunidos a estre propósito.

Na Igreja portuguesa, como o Concílio não foi preparado, não foi seguido nem foi aplicado, restava o que o Cardeal Cerejeira dizia: a Igreja portuguesa já está muito à frente de tudo o que fizeram lá no Vaticano. Seria importante encontrar a história do humor inquietante, na Igreja dos diferentes países.

3. Diz-se que a alegria é uma emoção natural (por que não sobrenatural?) e positiva provocada por situações de satisfação e de prazer, que se expressa em reacções físicas e contagiantes como sorrir, rir ou pular.

O Natal é mesmo o riso de Deus. As situações hilariantes que envolvem a chegada do Emmanuel, o Deus connosco, são mais que muitas. Desde as anunciações a Maria e a José, seu esposo, até aos primeiros que acolheram esse Deus que veio habitar entre nós: os pastores, o grupo mais marginalizado em Israel, e os Magos, estrangeiros e visionários.

Klaus Berger, no seu livro, O Humor de Jesus, acrescentou o subtítulo: O mundo de pernas para o ar[3]. De facto, o Natal é o mundo de pernas para o ar.

Os cristãos vão à Missa por causa de boas notícias, para interiorizarem o Evangelho. Hoje, são apresentadas, em contraste, duas grandes figuras históricas que estão na raiz do cristianismo: João Baptista e Jesus[4].

Jesus reconhece a grandeza moral do seu antigo mestre: Entre os filhos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista, acrescentando que o menor no Reino dos céus é maior do que ele. João queria uma reforma da religião e dos costumes; Jesus subverte não só a religião do templo e dos diferentes grupos religiosos como o próprio moralismo ascético de João Baptista.

A reforma religiosa proposta por João não vai muito além da moral e da ascese; Jesus, pelo contrário, é um humorista. Diverte-se a mostrar, em gestos e parábolas, que o amor que Deus nos tem não depende das práticas nem das instituições que arranjamos para lhe agradar. A sua alegria é outra e a nossa também.

Se lêssemos as narrativas do Novo Testamento sem beatices e reparássemos na ironia, no riso e no humor que as percorre, seria fácil descobrir quanto o Evangelho é divinamente divertido!

Boas Festas!

   

Fr. Bento Domingues in Público, 14/12/2025     _____________
[1] Is 35, 1-11 [2] Maria Rueff e Rodrigo Francisco, Elogio do Riso, Textos de Almada, 2025 [3] Publicado pela Paulinas Editora, 2025 [4] Mt 11, 1-14
14/12/2025

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