O MUNDO PODE MUDAR SE NÓS MUDARMOS
1. Esta crónica não é o começo nem o fim de férias. A minha praia foi uma Clínica na Idanha. Tenho de agradecer, através do generoso acolhimento do Público, a tantas pessoas que me mantiveram em contacto com o que se passava no país e no mundo.
Fiquei a saber que, neste Verão, em Portugal, ardeu 3% do território. Não tinha de ser um desastre ecológico inevitável, se cuidássemos da Ecologia Integral proposta pelo Papa Francisco e continuada por Leão XIV. A Ecologia Integral não é feita apenas de belos princípios de relação com a Natureza.
Acontecimentos muito simples podem servir para contrariar o que parece inevitável. Setembro é o mês de começos e recomeços. O início do Ano Lectivo deve ser um programa de novidades. É o mês da abertura do futuro. Em vez de estragar, de destruir, podemos alterar. Não estamos condenados ao mundo como está. A educação, se for aberta e verdadeiramente democrática, poderá ajudar a sustentabilidade de um progresso para todos. Os mais novos poderão ser os protagonistas da alteração das sociedades, a nível nacional e global.
As grandiosas Jornadas Mundiais da Juventude, de Lisboa (2023) e de Roma (2025), se não foram apenas uma exibição oca, têm de mostrar frutos novos de transformação da sociedade e da Igreja.
No dia 1 deste mês, ocorreu o X Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, cujo tema é Sementes de Paz e Esperança. Nas palavras do Papa Leão XIV, na sua Mensagem deste ano, «a semente entrega-se inteiramente à terra e aí, que deve morrer para dar fruto, a vida germina, mesmo nos lugares mais inesperados, numa surpreendente capacidade de gerar futuro».
No dia 5, o Papa inaugurou o Burgo Laudato Si’, criado por desejo do Papa Francisco em 2023 nos Jardins das Vilas Pontifícias em Castel Gandolfo. É um projecto de conscientização e formação para sermos fieis às exigências da Ecologia Integral. Funciona como um espaço para aprofundar a ligação com a Criação, concretizando a Encíclica Laudato Sí’. Visa contribuir para aprofundar as questões ambientais e promover estilos de vida mais sustentáveis.
Graças à criação deste projecto, a beleza dos Jardins das Vilas Pontifícias tornou-se o cenário natural para o desenvolvimento de um espaço aberto a todas as pessoas de boa vontade para que a Terra volte a ser o nosso mundo. Ao criar o Burgo Laudato Si', nos espaços de Castel Gandolfo, o Papa Francisco quis demonstrar que os princípios descritos na Encíclica Laudato Si' poderiam tornar-se realidade. O projeto foi desenvolvido em três direções: formação em ecologia integral, economia circular e generativa e sustentabilidade ambiental.
2. Já a 9 de Julho, o Papa Leão XIV, em Castel Gandolfo, começou por dizer: Neste lindo dia, antes de mais nada, gostaria de convidar todos, começando por mim mesmo, a viver o que estamos a celebrar na beleza de uma catedral, que se poderia dizer natural, com as plantas e tantos elementos da criação que nos conduziram aqui para celebrar a Eucaristia, usando o novo formulário da Missa pelo cuidado da criação, fruto dos diferentes Dicastérios do Vaticano.
Estes textos não são só palavras, falam de realizações da sabedoria ecológica. A fé sem obras é morta, como disse nos começos do Cristianismo a Carta de S. Tiago, «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda: poderá alguém alegar sensatamente: Tu tens a fé e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé»[1].
Esta realização do Papa lança, implicitamente, uma interrogação às Igrejas de todo o Mundo e, nomeadamente, às de Portugal: que podem elas fazer para concretizar o exemplo do Burgo Laudato Si’?
Como viu o Papa Francisco, a Ecologia Integral é uma convocatória a crente e não crentes. De facto, a Igreja ou as Igrejas – o conjunto dos cristãos – não estão isoladas na defesa da vida na Terra. «A vida, ubíqua como é, continua a ser um profundo mistério científico. Talvez isto surpreenda muita gente, mas a verdade é que, até ao momento, os cientistas não partilham uma definição consensual de vida nem, já agora, uma compreensão mesmo ao nível mais primitivo, de como surgiu na Terra. Ou em temos mais simples e directos: continuamos sem saber o que é a vida e como começou». Esta é uma passagem do livro O Universo Consciente. Um Manifesto para o Futuro da Humanidade, de Marcelo Gleiser, físico e astrónomo premiado, que faz um apelo admirável ao advento de um novo iluminismo e a um reconhecimento da preciosidade da vida, fazendo uso da razão e da curiosidade – os pilares da ciência – para estudar, proteger e em última análise preservar a humanidade face à actual crise existencial das alterações climáticas.
3. Colhi do mesmo autor a seguinte passagem: «O Universo só tem uma história porque nós estamos cá para a contar. Através da nossa diligência e engenho, juntámos os principais capítulos da longa saga que começou com o Big Bang há 13,8 mil milhões de anos. Esta história desenrola-se na vastidão do espaço e narra o drama da matéria a dançar ao ritmo de forças de atração e repulsão, a moldar-se em estruturas cada vez mais complexas que se tornaram átomos, estrelas, galáxias, planetas, vida, nós. A forma como contamos uma história faz toda a diferença. E chegou o momento de recontar a história de quem somos, na perspetiva de uma nova mentalidade. Este livro é sobre a vida na Terra, sobre a sua relevância cósmica, sobre o mandato moral da humanidade para se erguer acima do passado e remodelar o futuro coletivo. Escrevo-o com um sentido de urgência e esperança.
O advento da vida mudou tudo. A vida é matéria com propósito, com um desejo de existir»[2].
Para Marcelo Gleiser, ciência e espiritualidade não se opõem: «Pouco ou nada sabemos sobre como a vida surgiu da não-vida na Terra e como evoluiu para se tornar inteligente, dadas as muitas contingências da história única do nosso planeta. A origem da vida continua a ser um mistério, enquanto a evolução da vida unicelular simples para a vida inteligente não é um caminho necessário – e ainda menos inevitável – para a evolução da vida. A vida preocupa-se com estar bem adaptada ao seu meio, de modo a poder reproduzir-se com êxito e não com a capacidade de construir foguetões ou escrever poesia. (…) A nossa história não é, porém, apenas uma narrativa científica. Abrange múltiplas dimensões culturais, sendo a ciência uma delas. Não há como negar que o Universo em expansão é vasto e que o nosso planeta não passa de um pequeno grão numa vulgar galáxia em espiral»[3].
O mundo pode mudar se nós mudarmos.
Fr. Bento Domingues in Público, 7/9/2025
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[1] Tg 2, 14-18
[2] Marcelo Gleiser, O universo Consciente. Um manifesto para o futuro da humanidade, Temas e Debates – Círculo de Leitores, p. 11
[3] Ibidem, pp. 72-72