Família Dominicana

Comentário às Leituras Dominicais (Abr. 2024) por fr. José Nunes, op

 
21 de Abril – 4º Domingo da Páscoa - Ano B

 

Jesus é o Bom Pastor. Todos os anos, no 4º domingo de Páscoa, temos este título a orientar as leituras e a celebração (não esquecendo o tema das vocações consagradas). Mas os textos diferem um pouco de ano para ano. Uma certeza podemos ter: é um dos poucos títulos que Jesus se dá a si mesmo. Além do de ‘bom pastor’, talvez apenas o de ‘Filho do Homem’. Por isso encerra em si algo de bem importante.

Nos evangelhos, há textos que nos falam do Bom Pastor em sentido ternurento, misericordioso: ele é o que vai à busca da ovelha perdida, cheio de misericórdia, convive com as ovelhas, conhece-as uma a uma, até pega nelas aos ombros com carinho…

No trecho do evangelho de hoje não é bem assim! O Bom Pastor é o que luta para defender as suas ovelhas. Porque ama as suas ovelhas. Não é que não seja alguém misericordioso, mas é sobretudo alguém corajoso, alguém que enfrenta o assaltante do rebanho, seja o lobo, outra fera qualquer ou um ladrão. Dá o peito ao perigo e não recua. Corre o risco de vida porque está na linha da frente. Dá a vida na defesa das ovelhas.

O mercenário, figura que se opõe no evangelho ao bom pastor, não é assim: só tinha que defender as ovelhas até um certo ponto (isso até estava legislado). Se o assaltante era um ladrão armado, um leão ou um tigre, o mercenário podia fugir – estava escrito no contrato. O mercenário guarda as ovelhas por contrato, para ganhar o seu salário. Não é obrigado a mais do que aquilo que está estipulado.

O Bom Pastor não tem contrato, não guarda as ovelhas por dinheiro: ama as ovelhas. Jesus age por amor. E o amor não tem limites. Aos olhos dos outros, quase pode parecer cegueira ou loucura, porque quem ama de verdade ama até ao fim, ama sem limites, até à exaustão. Jesus ama, assim, livremente, ninguém o obriga, ninguém lhe tira a vida, Ele é que a dá.

Resulta daqui um belo tema de meditação para nós: somos corajosos? Amamos, damo-nos, entregamo-nos incondicionalmente aos outros, à família, aos trabalhos, aos apostolados, aos serviços? Ou, pelo contrário, calculamos, agimos por contrato, procurando não fazer nem mais nem menos do que aquilo que está ‘estipulado’? Calculistas ou generosos?

15/04/2024

Artigo do fr. Bento Domingues, op


A IGREJA EM REFORMA PERMANENTE

   1. É costume dividir, de forma muito simples (talvez de forma simplória), a história da Igreja em três momentos fundamentais: a Igreja dos primeiros séculos, a Igreja da Idade Média e a Igreja da Idade Moderna. O grande inconveniente desta apresentação é continuar a fazer da Igreja o seu centro, algo que o Papa Francisco, com razão, tem rejeitado.

A Igreja, em todas as suas épocas, não pode ser o centro de si mesma. Ela deve remeter continuamente para a prática de Jesus Cristo, testemunhada no Novo Testamento. É Ele o verdadeiro centro insubstituível da Igreja e da humanidade. E porquê? Porque foi Ele que fez da sua vida uma entrega a Deus e a todos os povos, de todos os tempos e lugares. Na sua actividade, num tempo e num lugar históricos e precisos, pela sua união a Deus, attingit omnia tempora et loca[1].

Na sua célebre Exortação Apostólica programática, Evangelii Gaudium, o Papa Francisco, convoca a Igreja a realizar a sua transformação missionária, isto é, a ser uma Igreja «em saída». Não se trata apenas de uma belíssima declaração, mas de tornar toda a Igreja agente de comunhão, participação e missão.

Encontrou, na redescoberta da dimensão sinodal, um caminho para vencer a tentação da Igreja se julgar o centro de si mesma.

A Igreja «em saída» é a comunidade de discípulos missionários que «primeireiam», que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam. Primeireiam – desculpai o neologismo –, tomam a iniciativa! A comunidade missionária [a verdadeira Igreja] experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf. 1 Jo 4, 10) e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva.

 Ousemos um pouco mais no tomar a iniciativa! Como consequência, a Igreja, em conversão, sabe «envolver-se». Jesus lavou os pés aos seus discípulos. O Senhor envolve-Se e envolve os seus, pondo-Se de joelhos diante dos outros para os lavar; mas, logo a seguir, diz aos discípulos: «Sereis felizes se puserdes isto em prática» (Jo 13, 17). Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o «cheiro das ovelhas», e estas escutam a sua voz.

Em seguida, a comunidade evangelizadora dispõe-se a «acompanhar». Deve acompanhar a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. Conhece as longas esperas e o seu fundamento apostólico. A evangelização exige muita paciência e evita deter-se a considerar as limitações.

Fiel ao dom do Senhor, sabe também «frutificar». A comunidade evangelizadora mantém-se atenta aos frutos, porque o Senhor a quer fecunda. Cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio. O semeador, quando vê surgir o joio no meio do trigo, não tem reacções lastimosas ou alarmistas. Encontra o modo para fazer com que a Palavra se incarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova, apesar de serem aparentemente imperfeitos ou defeituosos.

O verdadeiro discípulo sabe oferecer a vida inteira e gastá-la até ao martírio como testemunho de Jesus Cristo, mas o seu sonho não é estar cheio de inimigos, mas antes, que a Palavra seja acolhida e manifeste a sua força libertadora e renovadora.

Por fim, a comunidade evangelizadora jubilosa sabe sempre «festejar»: celebra e festeja cada pequena vitória, cada passo em frente na evangelização. No meio desta exigência diária de fazer avançar o bem, a evangelização jubilosa torna-se beleza na liturgia. A Igreja evangeliza e evangeliza-se com a beleza da liturgia, que é também celebração da actividade evangelizadora e fonte de um renovado impulso para se dar[2].

2. Nada disto é possível se não fizermos da pastoral um processo de conversão contínuo. É o próprio Papa que nos lembra algo que nunca deve ser esquecido. Ele sabe que, hoje, os documentos não suscitam o mesmo interesse que noutras épocas, acabando rapidamente esquecidos.

Apesar disso, sublinha que, aquilo que pretende deixar expresso nesta Exortação, possui um significado programático e tem consequências importantes.

«Espero que todas as comunidades se esforcem por actuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma «simples administração». Constituamo-nos em «estado permanente de missão», em todas as regiões da terra»[3].

Já o Papa Paulo VI tinha convidado a alargar o apelo à renovação de modo que ressaltasse, com força, que ela não se dirige apenas aos indivíduos, mas à Igreja inteira.

Lembremos, diz Bergoglio, este texto memorável, que não perdeu a sua força interpeladora: «A Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma, meditar sobre o seu próprio mistério (...). Desta consciência esclarecida e operante deriva espontaneamente um desejo de comparar a imagem ideal da Igreja, tal como Cristo a viu, quis e amou, ou seja, como sua Esposa santa e imaculada (Ef 5, 27), com o rosto real que a Igreja apresenta hoje. (…) Em consequência disso, surge uma necessidade generosa e quase impaciente de renovação, isto é, de emenda dos defeitos, que aquela consciência denuncia e rejeita, como se fosse um exame interior ao espelho do modelo que Cristo nos deixou de Si mesmo».

3. Tornou-se um lugar comum dizer que a Igreja não é o centro do Cristianismo. Ao repetir esta evidência teológica e pastoral, temos de ter cuidado para não dar a ideia de que a Igreja, não sendo o centro, seria insignificante para a fé cristã. Se isso fosse verdade, também seria inútil a reforma das próprias expressões da Igreja. E, no entanto, é ela o verdadeiro e primordial sacramento – sinal e instrumento – de Jesus Cristo na complexidade deste mundo. De facto, quando se fala de reforma da Igreja, não se pode esquecer a observação do grande teólogo, Yve Congar, O.P., ao sustentar que existem verdadeiras e falsas reformas.

«Hoje, torna-se cada vez mais evidente que é necessária uma verdadeira hermenêutica evangélica para compreender melhor a vida, o mundo, os seres humanos; não de uma síntese, mas de uma atmosfera espiritual de investigação e certeza fundamentada nas verdades da razão e da fé», como diz Bergoglio, na Veritatis Gaudium, nº3 (2017).

 

Fr. Bento Domingues in Público, 14/4/2024

_____________ [1] III q. 56, a. 1-2 [2] Cf. Evangelii Gaudium, nº 24 [3] Cf. Ibidem, nº 25
14/04/2024

Presença Dominicana em Angola

Novo vídeo com o testemunho do Fr. José Nunes, OP nos 40 anos da presença dominicana em Angola (Waku-Kungo).

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