Artigo do fr. Bento Domingues, op


CUIDADOS PALIATIVOS

   1. Dois acontecimentos recentes e inapagáveis sobre a doença e o sofrimento, a dor.

No passado mês de Fevereiro, o Papa Francisco fez um vídeo que podíamos resumir da seguinte forma: existem doenças incuráveis, mas não existem doenças incuidáveis. Esta é uma distinção que nunca deve ser esquecida nem confundida. O sofrimento é omnipresente e são necessários cuidados para não ser destrutivo. A pessoa doente precisa sempre de cuidados médicos, humanos e espirituais de proximidade, mesmo que a doença seja ou não incurável.

A pior das doenças é aquela que confunde estas duas realidades, pois colocamos o doente diante de uma situação que parece inultrapassável. Ao tornar esta distinção operacional, estamos a abrir uma janela onde se julgava um presente e um futuro sem horizonte. Esta atitude positiva não afecta só as pessoas doentes. Afecta a pior das doenças que é a indiferença perante a dor dos outros.

No dia 13 deste mês, o 7Margens publicou uma entrevista com Catarina Pazes, presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP). Esta entrevista merece ser lida, na íntegra, por muita gente porque vem mostrar que é possível reunir muitas mais pessoas em todos os aspectos da vida. É muita a dor a precisar destes cuidados e, muitas vezes, nem se sabe que existem ou podem vir a existir.

Segundo a informação do 7Margens, Catarina Pazes trabalha em equipa para trazer vida a pessoas doentes, em situação de extrema fragilidade. É enfermeira especialista em cuidados paliativos, trabalha na Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo e dedica-se também à vida académica. Depois de ter concluído licenciatura em enfermagem, fez mestrado, assim como diversas pós-graduações, na área dos cuidados paliativos; neste momento, frequenta o doutoramento em cuidados paliativos na Universidade do Porto. Reconhecida pelos seus pares, foi eleita como presidente da APCP para o triénio 2024-2026.

Segundo esta especialista, «os cuidados paliativos são uma especialidade clínica, de saúde, de alívio, de prevenção de sofrimento que decorre de doenças. Esta é a designação mais formal. Paliativo vem da palavra palium, que tem um significado relacionado com manto, proteção, cuidado; tem a ver com a proteção, o manto que protege face ao frio, às intempéries. São cuidados que protegem a pessoa do sofrimento que está a acontecer e daquele que possa vir a acontecer por causa de uma doença grave».

Usar a palavra paliativo apenas para situações extremas da doença é um equívoco, «porque o sofrimento não existe apenas no fim da vida. Como são cuidados especializados em tratar sofrimento e o sofrimento não faz parte apenas do final da vida, não faria sentido… Mas foi assim que eles nasceram. Os cuidados paliativos nasceram como uma resposta aos doentes que não tinham cura».

O que é o sofrimento? É algo muito individual, muito próprio de cada um e para cada um é algo diferente. O sofrimento pode ser físico, emocional, psicológico. Por isso é que os cuidados paliativos, para responderem aos vários aspectos do sofrimento, têm de ser um trabalho em equipa. Tem de ser uma equipa multidisciplinar, precisamente porque o sofrimento tem multidimensões. E acaba por ter de ser essa boa articulação, entre vários profissionais, que vão responder às necessidades das pessoas[1].

Os recursos que se gastam a destruir a vida de pessoas e sociedades, através das guerras, com o sofrimento e a destruição que provocam, já era tempo de serem usados para superar vinganças, ódios, que só aumentam a dor no mundo.

O que fazer e como fazer? A primeira coisa é a formação de profissionais que têm de intervir, especialmente, os profissionais de saúde – de medicina e enfermagem – de serviço social e de psicologia.

Catarina Pazes é muito explícita: «Aquilo que nós aprendemos quando fazemos a formação em cuidados paliativos como ferramentas para lidar com as adversidades… quando agarramos nisso, quando vamos aplicar isso com o doente e com a família, há uma obrigatoriedade na verdade. Tem de ser verdade, tem de ser completamente genuíno. Ou seja, quando eu estou perante um doente, que até pode ter uma doença avançada, irreversível, e estou a trabalhar com ele a possibilidade de ele conseguir sentir-se bem apesar da doença, viver em pleno apesar da doença, ser feliz apesar da doença, eu só posso fazer isto se eu acreditar completamente que é possível viver feliz apesar da doença. Se isto em mim não for claro e não for verdade, não o posso fazer, não consigo fazer este trabalho.

Exige um trabalho importante dentro de nós, que é uma compensação enorme por termos escolhido cuidados paliativos, porque nos permite um contacto connosco próprios, com a nossa fragilidade, com a nossa vulnerabilidade» e ajudarmos quem sofre. Tem de ser um trabalho feito com paixão.

2. Para trabalhar, neste campo, não é indispensável perguntar se os cuidadores são cristãos, mas que sejam competentes e apaixonados pelo bem das pessoas, seja qual for a situação religiosa, tando dos que beneficiam como dos cuidadores.

Cristão é quem se reconhece e é reconhecido como discípulo de Jesus de Nazaré que passou a sua vida fazendo o bem, como é dito nos Actos dos Apóstolos[2], ou quando foi à sinagoga da sua terra e lhe deram o texto de Isaías para ler que o tomou como tarefa sua: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor[3].

O capítulo 25 de S. Mateus distingue as pessoas que cuidam das pessoas que não cuidam, tanto sob o ponto de vista material como afectivo. Saltou fora do esquema de quem merece e de quem não merece, para ir ao encontro de quem precisa de cuidados.

A liturgia deste Domingo apresenta a figura de Jesus como a do bom pastor que cuida das suas ovelhas e dá a sua vida para que elas tenham vida em plenitude[4]. O que podemos fazer com esta linguagem? Que Cristo e que vida cristã sugere? Não é preciso ser grande exegeta para saber que este texto, e outros semelhantes, não são tratados de pastorícia, mas parábolas de acesso ao mistério da revelação divina e ao mistério que nós somos.

 

Fr. Bento Domingues in Público, 21/4/2024

_____________ [1] Cf. Entrevista, 7Margens, 13.04.2024 [2] Act 10, 38 [3] Lc 4, 16-22 [4] Cf. Jo 10, 11-18
21/04/2024

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